domingo, agosto 02, 2009

O legado de Michael Jackson




A vida de Michael Jackson tem o mesmo dramatismo de uma jovem encerrada numa torre, ansiando pela aparição salvífica do seu príncipe. É essa vida, tão cheia de virtude como de extravagância, que hoje é evocada com natural saudosismo à escala mundial.

Aparentemente, e de acordo com os seus dados biográficos conhecidos, a sua infância, nomeadamente a sua relação perturbada com o pai, tê-lo-á condicionado negativamente na vida adulta. O mundo mítico e excêntrico de Michael Jackson, amplificado pelo seu poder económico e pelos media, configura um quadro surrealista, com a única diferença de não ser um quadro, mas a própria realidade do autor. Todavia, dessa realidade não conhecemos mais do que a sombra ou uma figuração. Afinal a quem andam milhões a prestar culto? A imaginação tem as suas próprias leis que nem psiquiatras, nem sociólogos compreendem. Neste caso, fica por fazer a autópsia psicológica de tão estranha personagem.

Incapaz de conseguir construir uma família, de aceitar a sua própria identidade (recorde-se as inúmeras cirurgias plásticas a que se sujeitou), e de alcançar uma relação equilibrada com os seus filhos, Michael Jackson, neste contexto, teve um percurso biográfico fracassado. É certo que, no que concerne aos heróis e à sua idolatria, a racionalidade não se impõe, mas é preciso não esquecer que, para além da grandiosidade artística, a existência pessoal de Michael Jackson não foi superior ao comum dos mortais. Se evitarmos cair na tentação da exaltação abstracta da virtude, será nessa contradição que será recordado.

Neverland (A terra do nunca) expressa sem equívocos a ambivalência de Michael Jackson em relação à ideia de viver no (nosso) mundo. Esse lugar, esse interstício entre a sanidade e a loucura, foi uma das suas principais ruínas pessoais. Afinal era um homem grande e talentoso, mas nunca soube verdadeiramente que o era, ou pelo menos não se satisfez com isso. Mas a verdade é que, tal como qualquer um de nós, andou à procura de alguma coisa; talvez algo de sobrenatural que o ajudasse a equilibrar o caos da sua vida interior. E acabou por tê-lo através da sua música, porém não foi suficiente.

Todos nós temos o costume de opinar sobre quem conhecemos um bocadinho. No caso do psiquiatra, a tentação é maior. Por isso arrisco a dizer que, independentemente dos infortúnios da sua vida pessoal, talvez tenha faltado a Michael Jackson a capacidade de resolver diversos conflitos; conflitos com o seu passado que acabaram por aprisioná-lo a uma insanidade autodestrutiva. Esta foi a sua grande tragédia. O desejo de ficar eternamente criança, tal como Peter Pan, foi provavelmente uma escolha errada. Esta fixação patológica no passado exprimiu o seu lado depressivo. Na verdade, a felicidade do homem não reside no seu passado, mas antes no futuro; naquilo que há-de vir. Por isso é que a felicidade e o sonho são inseparáveis.

A vida de Michael Jackson é como um livro a quem foi arrancado os primeiros capítulos; nunca será totalmente compreendida – nem sequer terá sido pelo próprio. Os capítulos extraviados dizem respeito a uma infância perdida, através de uma maturidade forçada, e por uma família incapaz de ajudar a criar os indispensáveis alicerces da personalidade. Seja como for, para além do seu admirável legado musical, há alguma mensagem a tirar da sua vida: é importante assumirmos o nosso passado, olhar de novo para o futuro e recomeçarmos. A avaliar pelos seus últimos dias, é possível que tenha tentado fazê-lo.

Pedro Afonso