quinta-feira, fevereiro 08, 2007
Eu digo" não" !
É um facto que um espermatozóide sozinho não pode aspirar a ser um ser humano; um ovócito sozinho também não. Mas o zigoto que, em consequência do encontro livre entre dois seres humanos, resulta da fusão daquele gâmeta masculino, entre milhões que iniciaram a viagem, com o ovócito libertado, naquele ciclo menstrual concreto, será único. No seu genoma, que há 30 anos não se conhecia mas que hoje se conhece, está toda a informação necessária para ser uma vida humana. Desde que é apenas uma célula até ao momento em que será biliões delas há uma linha de continuidade, que hoje se ouve, vê e sente, desde o início, nas ecografias.
Quem tem direito ao futuro? Na língua portuguesa só existem três particípios futuros, e todos eles se ligam à esperança de continuidade da vida humana: “futuro” – o que vai ser; “nascituro” – aquele que vai nascer; “concepturo” – aquele que vai ser concebido. É nesse sentido que, por exemplo, as técnicas de reprodução medicamente assistida servem para que homens e mulheres que sofrem, muitas vezes durante muitos anos, por não terem os filhos que desejaram ter, venham a ser pais e mães.
Porquê então 10 semanas para certificar que alguém tem direito a nascer como criança, como se pergunta agora no referendo, se é a própria lei (ainda que sem financiamento público…) que faz pensar nos “filhos impossíveis”? Sabemos que por volta do 20.º dia um coração já bate… Na verdade, o coração já bate, e intensamente, tal como no momento em que um homem e uma mulher se aproximam a tal ponto de poderem ser pais, o que não pode nunca deixar de ser tido em conta.
Não é justo que haja filhos de primeira e de segunda, ou, como antigamente se dizia, filhos legítimos e ilegítimos. Tal como não é eticamente aceitável, e o Direito não o consente, que um homem casado, eventualmente praticando “sexo seguro”, contamine a sua mulher com SIDA e, depois, venha requerer o divórcio com fundamento na doença da mulher, também não é eticamente aceitável que se desproteja inteiramente a vida humana até às 10 semanas de gestação, sob o pretexto de que há imprevistos na vida ou homens irresponsáveis.
Os seres humanos não são assexuados. De facto, todas as crianças têm um pai e uma mãe. Como excluir então o pai da decisão de abortar? É um ponto de vista contrário ao entendimento hoje unânime na sociedade de que a mãe e o pai devem repartir as responsabilidades do sustento e da educação dos filhos, mesmo que não vivam juntos. Não faz pois sentido que o pai seja excluído da decisão grave de abortar e, ao mesmo tempo, seja responsabilizado pelos alimentos e pelo acompanhamento devidos ao filho nascido. Se o pai não se importa, há que obrigá-lo. A não ser que se aceite que a lei deve mudar de acordo com o comportamento de cada pai, independentemente de ser responsável ou não.
O Estado serve para garantir a liberdade humana, de modo a que os mais fracos não sejam espezinhados pelos mais fortes.
Como compreender então que à mulher seja dado o direito de invocar sozinha, com o apoio do Estado, a sua liberdade contra alguém? Só uma sociedade autoritária e, ao mesmo tempo, débil pode conceber tal hipótese.
As mulheres devem ter os filhos que desejam ter, sem medo, por exemplo, de perderem o emprego. Hoje discute-se se os patrões podem exigir às mulheres que procuram emprego a realização de testes de gravidez. Alguém acredita que se o “sim” ganhar os patrões de poucos escrúpulos não vão atirar esse direito à cara das mulheres? Se o “sim” ganhar, as mulheres passam a ter um “direito”, garantido pelo Estado, contra elas próprias.
O “sim” é insensato, porque, ao contrário do que eu e outros defendemos, não despenaliza efectivamente as mulheres que praticam abortos. Todas aquelas que os pratiquem a partir das 10 semanas ou fora de um estabelecimento legal de saúde continuarão a ser consideradas criminosas, julgadas e, eventualmente, condenadas.
O “sim” não despenaliza as mulheres; pelo contrário, descriminaliza, legaliza e liberaliza as actividades abortivas.
Se o “sim” ganhar, continuará a ser considerado um crime, e a meu ver bem, porque se trata de um mal, a destruição de ovos de perdiz ou de luras de coelho, mas deixará de ser crime destruir a vida humana na sua fase inicial, considerando-se que esta não vale a pena.
Se o “sim” ganhar, o aborto deixa de ser considerado socialmente um mal, porque passa a ser um direito. É isto a legalização. E isto faz-se afastando a ética da vida pública, incentivando comportamentos individualistas e diluindo as possibilidades de uma cultura de responsabilidade, solidariedade e amor.
Se o “sim” ganhar, as clínicas espanholas que fazem abortos em grande escala virão estabelecer-se em Portugal, porque, ávidas de lucros, sabem que o número de abortos aumentará.
Na última década, em Portugal, as associações defensoras do “não”, com muito poucos recursos, apoiaram milhares de mulheres grávidas em dificuldades, incluindo muitas que abortaram, e ajudaram a salvar muitas vidas. Não há mulheres arrependidas, e há muitas crianças felizes.
Se, no próximo domingo, o “sim” ganhar, todos sabemos o que acontecerá: mais aborto e menos solidariedade. Será que é esse o futuro que queremos?
João Caetano
Membro do Fórum Ciência e Futuro e do Grupo Cívico “Aborto a pedido? Não!”