domingo, novembro 13, 2011

A partir de amanhã o café custa 120 escudos

Como seria a vida dos portugueses se o país saísse da zona euro?

Nunca mais nada seria como dantes - apesar de o escudo não passar de um velho conhecido.

O que é que sucederia se amanhã, subitamente, os portugueses tivessem de pagar 120 escudos pela bica matinal, ao invés dos já tradicionais 60 cêntimos? E se, ao almoço, fossem obrigados a desembolsar 1.100 escudos por um menu qualquer, em vez dos 5,5 euros da ordem? E se à tarde, desavisados, comprassem uma acção do BCP por 22 escudos, em vez dos magros 11 cêntimos do costume? Bom, sucederiam de imediato três coisas: iriam apressar-se a comprar uma máquina calculadora - que numa loja chinesa obteriam por uns meros mil escudos, outrora cinco euros - principalmente se alocados nos segmentos mais jovens da população; constatariam que a pressão inflacionista induzida pela introdução do euro foi afinal uma realidade bem mais alargada que a propagandeada há dez anos por quase todos os economistas; e que as suas vidas estavam prestes a mudar abruptamente, no sentido de um universo desconhecido que voltava a balizar as suas existências financeiras.

Mas, pior que tudo isto, seria a constatação de que, mais uma vez, falhámos. Falhámos enquanto sociedade, enquanto modernidade, possivelmente enquanto membro de direito de um clube de países ricos - que afinal, tantos anos depois, constataríamos, de uma forma bruta apesar de anunciada, não sermos. O sociólogo António Costa Pinto não tem dúvidas sobre esta matéria: "Se Portugal sair do euro, os portugueses assimilarão, sem sombra de dúvida, o falhanço". Um falhanço em dois planos diferentes.

O primeiro deles, desde logo, num plano material: "Todos os estudos apontam [para uma quebra do nível de vida] entre os 40% e os 50%", recorda o politólogo, para quem "o choque de uma eventual saída de Portugal do euro seria muito significativo" por um período nunca inferior a sete/dez anos. Ponderados aqueles números, António Costa Pinto salienta que os portugueses "regressariam a um estilo de vida semelhante ao que tinham na segunda metade da década de 1970" - numa altura em que praticamente ninguém era dono da habitação onde vivia, os automóveis eram em número muito reduzido, o turismo interno era um sonho e o externo uma quimera.

Apesar disso, o politólogo gosta muito pouco do lado "moralista da ideia que se espalhou de que os portugueses vivem acima das suas posses". E enfatiza: "não foram os portugueses que foram à procura das condições [de consumo e de financiamento desse consumo]; foram elas que vieram ter com os portugueses". Nesse quadro, salienta, "a sociedade, que tem atitudes racionais", seguiu aquilo que lhe era proposto não apenas como razoável, mas também como imprescindível ao desenvolvimento interno do país.

A outra dimensão virá com certeza mais exposta nos livros de história de 2111: "os portugueses, mas principalmente as elites, tomariam como um falhanço um processo que começou no início da década de 1970". Como se, de algum modo, os portugueses tivessem falhado um desafio comum e colectivo, e se tivessem perdido num cotovelo da História enquanto viam os seus parceiros tomar-lhes uma distância a perder de vista.

Mas António Costa Pinto não se esquece de salientar: "algumas das medidas tomadas pelo actual Governo já são a constatação de que falhámos".

António Freitas de Sousa