Mas será que a identidade, em particular a da cultura europeia, se há-de necessariamente afirmar pela negação do “outro” e do “diferente”, da sua dignidade e do seu valor?
Também virá a propósito relembrar as polémicas suscitadas pelos discursos de Ângela Merkel e David Cameron a respeito do falhanço do multiculturalismo, enquanto coexistência e tolerância passiva das diversidades culturais das comunidades imigrantes na Europa (em especial as muçulmanas), mantidas no seu isolamento e sem a preocupação de adesão a valores culturais comuns das sociedades que as acolhem. Ângela Merkel ligou tais valores à herança judaico-cristã. David Cameron, por seu turno, falou num «liberalismo musculado muito mais activo», no «reforço dos valores da igualdade e da lei» e numa «visão de sociedade» de que estes imigrantes «queiram fazer parte».
Os representantes dessas comunidades muçulmanas não reagiram nada bem a estes discursos. Temem que a eles esteja subjacente a mesma reacção de rejeição e hostilidade que conduziu ao sucesso eleitoral de partidos extremistas anti-islâmicos na Holanda e nos países nórdicos, países que até aqui também apostaram no modelo multiculturalista, contra o qual se insurgia, de forma extrema, Anders Breivik.
A coesão social da Europa só terá a ganhar com uma mais sólida integração dos seus imigrantes, incluindo os de religião muçulmana. Mas será insensato pensar que essa integração há-de dar-se só com a condição de essas comunidades sacrificarem as suas riquezas culturais e religiosas, como se os muçulmanos tivessem de deixar de o ser para serem plenamente europeus. Só o diálogo entre uma e outra das culturas em presença permitirá uma autêntica integração. Para tal, há que valorizar os expoentes da cultura muçulmana (que também os há) que procuram conciliar o Islão com os valores de liberdade e igualdade próprios das sociedades europeias.
E, para que esse diálogo seja fecundo, também importa que da parte das sociedades europeias haja uma valorização da sua própria identidade. Para que nos imigrantes muçulmanos cresça o sentimento de pertença às sociedades europeias (para que eles destas «queiram fazer parte»), certamente que, antes de mais, tem de ser sólido o próprio sentimento de pertença dos europeus a essas sociedades. E, para que este sentimento de pertença possa atrair mais do que o que é proporcionado pelos grupos fundamentalistas, será necessário que os imigrantes muçulmanos não se deparem com sociedades pobres de valores éticos e espirituais (é também esta pobreza que delas faz um terreno de conquista desses grupos).
A identidade das pessoas e dos povos não deve afirmar-se contra o outro (como faz a “ideologia da identidade” de Anders Breivik), mas através da adesão coerente a valores éticos que dão sentido à convivência humana. As pessoas e os povos não se realizam contra o outro, mas quando doam o melhor de si mesmos. Uma Europa consciente das suas raízes cristãs (em que imperem os valores liberais, mas não só), que veja nessas raízes muito mais do que a memória de tradições ancestrais ou a preservação de sinais externos, que seja, pois, coerente com a autenticidade dos valores cristãos, há-de saber acolher os imigrantes muçulmanos, com eles dialogar e identificar valores éticos e espirituais comuns.
Pedro Vaz Patto