quarta-feira, junho 03, 2009

Este país não é para bebés. Portugal apoia pouco a natalidade


Portugal precisa de mais bebés para sair da crise e evitar a derrocada do sistema de pensões, mas o efeito prático dos incentivos públicos existentes é reduzido e, no que diz respeito à natalidade, tem dado poucos resultados.

O problema não se põe só em relação às políticas do actual governo; é tão antigo quanto a democracia portuguesa, la-mentam vários especialistas. Se está a pensar ter filhos, saia do país e experimente noutro sítio - Luxemburgo, Alemanha, França, Bélgica ou Áustria, por exemplo.Um estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) mostra que Portugal é dos países ricos onde, financeiramente, menos compensa ter filhos; onde as políticas públicas de redistribuição (através de impostos, contribuições e subsídios) são pouco generosas para os trabalhadores por conta de outrem quando comparado com a realidade de outros países.

De acordo com o estudo da OCDE "Taxing Wages 2007-2008", divulgado há três semanas, um casal de classe média que opte por ter dois filhos ganha mais 968 euros (rendimento líquido), valor corrigido de paridades de poder de compra que, por isso, permite a comparação entre países. O acréscimo ao rendimento salarial líquido representa metade (49%) da média da OCDE e 43% da média da União Europeia. Na Europa, apenas Espanha e Polónia têm incentivos menores. O rendimento líquido de um trabalhador é o dinheiro que cada um leva para casa já depois de pagos os impostos e contribuições para a Segurança Social e de recebidos todos os subsídios a que tem direito.

No caso de uma pessoa solteira portuguesa, a disparidade é maior: o benefício de ter filhos (dois) é de 1219 euros anuais - apenas 40% da média internacional, também corrigida do poder de compra.Bert Brys, economista do Centro de Política e Administração Fiscal da OCDE, confirma que "os benefícios líquidos para ter crianças são muito mais baixos em Portugal". "Apesar de o peso da fiscalidade e das contribuições até não ser dos mais elevados e de os benefícios até serem generosos, a verdade é que quando se soma tudo isto percebe-se que os incentivos monetários a ter filhos é dos mais baixos", acrescenta.Por que razão? Para o especialista da OCDE, "os benefícios relacionados com crianças são, de facto, mais baixos em Portugal, mas não podemos esquecer que a economia tem, há muitos anos, um crescimento baixo, o que limita as receitas públicas e a margem de manobra para este tipo de políticas".

O governo defende que não é bem assim. Fonte oficial do Ministério do Trabalho refere que foram tomadas medidas como o Programa de Alargamento da Rede de Equipamentos Sociais, que deu prioridade à construção de creches; a criação do abono pré-natal (disponível para mulheres grávidas a partir do terceiro mês de gravidez); a duplicação do abono de família para o segundo filho e a triplicação para o terceiro e seguintes; o reforço de 20% dos abonos de família nos escalões mais baixos; o reforço de 25% dos abonos para as famílias monoparentais; os novos direitos concedidos pelo alargamento da licença parental; o apoio no pré--escolar.

O Ministério das Finanças explica que aumentou a dedução das despesas das empresas com creches e, em sede de IRS, a duplicação das deduções para dependentes até três anos.Ana Cid, secretária-geral da Associação Portuguesa de Famílias Numerosas, acusa os sucessivos governos de "nada terem feito de significativo para derrubar as barreiras à natalidade". "Não pedimos incentivos, pedimos mais justiça. Ter filhos é um direito. E o que temos? As pessoas hoje têm metade do número de filhos que realmente desejam", refere, citando um estudo da consultora Netsonda. "Estamos a assistir a um desastre na natalidade: com menos pessoas a nascerem no futuro próximo haverá menos consumo e mais desemprego, como se vê pelo caso dos professores, problemas muito sérios no sistema de pensões", diz Ana Cid.Jorge Arroteia, professor de Demografia jubilado da Universidade de Aveiro, considera que "a fertilidade cada vez mais baixa é uma hecatombe". E quais as causas? "As políticas públicas desajustadas, a mudança de comportamentos e de mentalidades, a instabilidade da economia e do emprego, tudo isto converge para um problema de grandes proporções."

Fonte : Jornal I