Jornal Público -12.02.2009Um dia depois de os bispos portugueses terem admitido que poderão apelar ao voto contra os partidos que apoiem o casamento entre homossexuais, um grupo de militantes socialistas católicos apelou ao líder do PS para retirar essa proposta da moção de estratégia, que vai levar ao congresso do partido, marcado para dentro de quinze dias, em Espinho. "José Sócrates não tem necessidade de abrir esta ferida na nossa sociedade", defende Cláudio Anaia, o porta-voz do grupo, anunciando que ainda esta semana vão escrever uma carta ao secretário-geral, na qual pedem também que a questão seja levada a referendo.
Cláudio Anaia discorda, no entanto, de uma eventual indicação de voto. "A Igreja faz muito bem em pronunciar-se sobre esta matéria, mas não se deve imiscuir na vida dos partidos, porque não é esse o seu papel". À parte esta dissonância, estes católicos socialistas subscrevem as críticas.
Assumem-se como uma sensibilidade minoritária no PS (entre 50 e 70 militantes), envolveram-se activamente no apelo ao voto contra no referendo ao aborto e endurecem, agora, o discurso, acusando José Sócrates de ter relançado o tema para a agenda política por meras razões "tácticas" para conquistar um mercado eleitoral à esquerda do partido.
Uma polémica à antiga: direita e esquerda dividiram-se ontem sem equívocos em torno da posição da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP). PS e BE afirmam em uníssono que a Igreja Católica não deveria imiscuir-se na esfera política e dar indicações de voto, enquanto PSD e CDS consideram legítima a posição da CEP."
O PSD não aceita tentativas de censura à actuação de um actor social milenar, que tem direito a intervir nos assuntos sociais como todos os outros", afirmou ao PÚBLICO Paulo Rangel, líder parlamentar do PSD. Tal como o seu congénere centrista, Diogo Feio, para quem "é um direito legítimo" a Igreja Católica "exprimir as suas opiniões como entende".
PCP distancia-seAo contrário, os socialistas preferiram a máxima "a Deus o que é de Deus, a César o que é de César", expressão usada por Maria de Belém que resume a posição do seu partido. O ministro dos Assuntos Parlamentares, Augusto Santos Silva, salientou que a questão dos casamentos entre pessoas do mesmo sexo reside no plano "dos direitos civis", não sendo, como tal, "religiosa".
À saída do debate quinzenal, José Sócrates preferiu acentuar o esclarecimento da Igreja Católica de que não interferirá nas próximas eleições, penalizando alegadamente o PS, por causa da questão dos casamentos homossexuais. "Fico muito satisfeito com isso. O que eu propus ao congresso do PS é terminar com uma discriminação em nome dos valores de sempre do nosso partido. Trata-se dos valores da liberdade, da democracia e da igualdade, do respeito pelo texto constitucional e dos valores da tolerância", advogou. Só o PCP se quis distanciar da polémica. Bernardino Soares recusou comentar a posição da Igreja: "Não é o momento de secundarizar os problemas da crise, do desemprego. Sei que o PS quer fugir às suas responsabilidades, mas é também por isso que não nos desviaremos do que é fundamental".
F.F./L.B.