Relance 200
O Barco da Eutanásia
Nuno Serras Pereira
Seis portuguesas fretaram, com o patrocínio de duas organizações norte-americanas, um barco apetrechado com uma clínica para praticar a eutanásia. Fizeram-se ao mar alto, rumo às águas internacionais no intento de eutanasiarem a tripulação do barco das women on waves.
A sempre pressurosa comunicação social, gulosa de mortes macabras, noticiou estrondosamente o feito. Odete Mata-bem, líder do grupo, e Roseta Despacha-depressa, sua assessora, em entrevistas às rádios e às televisões conclamaram que Portugal era um país reaccionário com leis fundamentalistas que oprimiam o direito de escolha das mulheres, as julgavam e ameaçavam de prisão, caso elas eutanasiassem alguém. Muitas eutanasiavam no vão de escada, sem condições de higiene, com grave risco para a sua integridade física e psicológica (devido, entre outras circunstâncias, às reacções dos eutanasiados). Ora, as mulheres são responsáveis e nenhuma eutanasia de ânimo leve; elas são as principais protagonistas e as grande vítimas da eutanásia. De resto, quem poderá decidir por elas? O governo, o parlamento, os homens? Querem esses movimentos pró-vida impedir policialmente que as mulheres possam ir à Holanda levar os seus para serem eutanasiados? Vão colocar um polícia no quarto de cada portuguesa para impedir as mulheres de eutanasiarem clandestinamente? Daí que fossem a águas internacionais, uma vez que lá não vigoram as leis intolerantes deste país, sempre na cauda da Europa. Lá “interromperiam a vida” das women on waves, era um direito e uma dignidade da qual não abdicariam.
O governo da nação, depois de titubear, proibiu a embarcação de sair das águas nacionais. O presidente da república, apelando à tolerância, manifestou o seu enorme desagrado por não ter sido consultado para a tomada de decisão. O primeiro-ministro comunicou que estava aberto para debater o problema, e que a lei podia sempre mudar, e que nesta matéria não se pode ser dogmático.
O BE e o PCP vomitaram raivas e cóleras contra a prepotência do governo, a JS dispôs uma embarcação para abalroar ou, pelo menos, distrair as fragatas da marinha de modo a proporcionar a fugida do barco da eutanásia para águas internacionais. Os candidatos à liderança do PS fizeram juras solenes de mudar a lei no parlamento ou em referendo. Para isso pediram a maioria absoluta dos votos a um povo que se diz maioritariamente católico. A RTP organizou um debate em que de seis pessoas, incluindo a entrevistadora, só uma era contra a eutanasia.
Os militantes pró-vida despertaram do letargo estival e colaram cartazes com uma frase considerada intolerável, discriminatória e hipócrita, um verdadeiro ultraje à dignidade e auto-determinação das mulheres: “Quem ama não mata”. Alguém do episcopado apressou-se a defender a liberdade de expressão e a exortar ao respeito de todas as opiniões. O senhor cardeal patriarca disse que a Igreja era muito clara em relação a essa matéria e que o governo “ofereceu de mão beijada o que esse movimento pretendia – um certo impacto mediático”.
Entretanto as women on waves solicitaram protecção governamental e imploraram aos movimentos pró-vida que não desistissem de as defender.