terça-feira, outubro 28, 2003

Relance 21

Mais uma participação....

Conheci o Ricardo ocasionalmente numa troca viva de palavras. Naquela altura falavamos de alguns artigos de opinião meus publicos na imprensa.
Ficamos amigos, um jovem estudante de cardio-pneumologia e com uma ambição e vontade imensas de ser protagonista desta sociedade as vezes tão amorfa e cizenta.
Com os seus 19 anos, ja tem um grande curriculo no associativismo e lançou se recentemente também na escrita de artigos de opinião. Aqui se abre uma porta....

O Estádio dos Hospitais

Enquanto que pelo país fora a onda de entusiasmo em torno do Euro2004 se continua a propagar as salas de espera dos hospitais padecem das mesmas carências de sempre. O estado da nação limita-se, tristemente, a uma observação fugaz da imponência dos nossos estádios de futebol, discriminando as áreas de intervenção prioritária, como são a saúde, a educação, a ciência, a segurança social.

Os adeptos são filtrados nos torniquetes, embebidos de emoção, e entoando cânticos de paixão; por seu turno os pacientes gelam embrulhados numa burocracia enorme, votados ao abandono nas salas de espera, endereçados a uma nudez de meios. Todos os notáveis desdobram-se em sorrisos e gentilezas ao inaugurar um estádio, pousam fotogénicos ao mínimo flash, e o doente clama por atendimento, pela injecção que tarda, pelo exame que falha sempre, tudo isto sobre a impunidade da opinião pública.
O país, amontoado em riqueza e austeridade, desdenha em ninharias consecutivas, fomentando o seu desenvolvimento em estádios, olvidando áreas tão prioritárias como são a educação, a saúde e a segurança social. Já se dizia outrora que o grau de desenvolvimento de uma nação se vê pelo desenvolvimento sócio-cultural da sua população, e actualmente assistimos a uma mediatização do efémero, uma sociedade de “reality shows” onde os temas cruciais são irremediavelmente afastados da discussão pública. É por muitos reconhecido que o desporto é a mais recente forma de lazer e cultura das sociedades modernas, mas daí a sobrepor-se a assuntos tão prementes como são a saúde, permitam-me questionar tal pertinência.
Nos hospitais a triste sina repete-se invariavelmente, zonas com uma assistência médica precoce ou até mesmo nula, política de saúde pública ineficaz, milhares de utentes sem médico de família, serviços ineficazes, sociedades anónimas insensíveis à dor e obcecadas pelo lucro, efectivos subaproveitados, outros em clara indefinição, há ainda a carência de meios, material inócuo, a tecnologia em inequívoca desactualização, mas o que mais me choca acima de tudo é a passividade com que tranquilamente assistimos a tudo isto, fascinados pelas bancadas de mais um estádio, como que cegos pela grandiosidade dum relvado opaco, inertes perante as coberturas metálicas, insensíveis a essa grande epidemia, e que reside no sistema de saúde em Portugal, é este o retracto fiel de um país recessivo mas que insiste em ostentar-se diante de um espelho desfocado.
O país em gesto de sobranceria insiste em inaugurar e remodelar dez estádios, os hospitais tristemente encerram serviços, encetam hipotecas, e contraem dívidas inconsequentes, de facto quem sai a perder é a população, que lamentavelmente perde uma melhoria eficaz do sistema de saúde e em troca recebe equipamentos desportivos altamente qualificados mas desintegrados do contexto social e de urgência claramente duvidosa.

Ricardo Rosado