Muitas vezes incomoda-nos não termos o controlo de muitas situações da nossa vida ou da vida dos outros. E é verdade. Parece é que tendemos a queixarmo-nos mais do poder que não temos do que a utilizar o poder que de facto temos para fazer alguma coisa. Vamos vivendo na ilusão de dominarmos aquilo que ao fim ao cabo nos virá a desiludir por não ter corrido como tínhamos idealizado.
Cada um de nós é convidado a fazer a experiência da sua própria vida – mas da vida real, da que existe, da de todos os dias, não da utópica. É o convite a focar naquilo que é verdadeiramente estrutural e a entrar a fundo nas experiências a que somos chamados. A agarrá-las a sério, a pisar o chão, a percorrer os caminhos por dentro e não à beira da estrada, a tocar e a deixar-me tocar, a viver e não simplesmente a andar por aí. Só o pôr os pés no chão é que deixa marcas, só o pôr as mãos no barro e sujá-las é que dá forma às coisas, só um abraço forte é que deixa o outro sentir-se abraçado, só o dar o coração inteiro é que toca os outros.
É o convite a agarrar o tempo comum: fazer das rotinas aquilo que nos dá ritmo, daquilo que é mais do mesmo a constante surpresa com as coisas pequenas, da entediante acomodação suscitar um fascinante ímpeto transformador, do cansaço de quem é um corredor na vida a oportunidade de viver em verdadeira paz.
António Santos Lourenço
