quarta-feira, agosto 31, 2022

Carta Aberta sobre o relatorio de Portugal sobre o sínodo 2021 - 2023.

 

Recentemente foi publicado, com data de 5-8-2022, o Relatório de Portugal ao Sínodo 2021/2023, elaborado pela Equipa Sinodal da Conferência Episcopal Portuguesa. A sua leitura suscita, a um grupo de cristãos, as seguintes observações.

1. A afirmação de que é necessário “passar de uma Igreja exageradamente centrada na autoridade e acção do clero para uma Igreja sinodal e missionária, na comunhão e participação activa de todos os seus membros” parece ser uma acertada crítica ao clericalismo, mas também é, de certo modo, contraditória com o próprio texto. Com efeito, este Relatório não é, precisamente, um exemplo “de uma Igreja exageradamente centrada na autoridade e acção do clero”?!

2. O “processo de recolha de informação” fez transparecer um deficiente entendimento da natureza hierárquica da Igreja, confundindo-a com uma associação, cuja definição e missão seria da competência da maioria dos seus associados. A natureza da Igreja não é definida por sondagens, nem por auscultação popular, mas por revelação sobrenatural, de que a hierarquia não é autora, mas fiel depositária. Jesus Cristo fundou a Igreja d’Ele, que Ele edifica sobre meios humanos (Mt 16, 18), que mais não são do que instrumentos da sua acção no tempo e no espaço.

3. A perda da consciência do carácter sobrenatural da Igreja seria a sua destruição, pois ficaria reduzida a uma mera entidade corporativa, sem alcance nem natureza transcendente. Uma Igreja que segue o mundo, e se afirma à sua imagem e semelhança, é redundante: mais não seria do que a sua réplica, ou imitação. Ora a Igreja não deve ser mundana, mas espiritual; não deve ser terrena, mas sobrenatural; não deve ser imanente ao mundo, mas transcendê-lo; não deve ser deste tempo, mas intemporal porque, ao contrário das ideologias políticas, não pretende apenas a felicidade terrena, mas alcançar a bem-aventurança celestial.

4. Quando a Igreja convida todos os fiéis para que se pronunciem sobre a natureza e missão eclesial, não pode esquecer que é o próprio Deus que fundamenta a sua existência e acção, que todos os cristãos devem realizar, cada qual de acordo com a sua vocação.

5. Se a hierarquia eclesial, por absurdo, se demitisse da missão de ser interlocutora de Deus junto dos homens, bem como mensageira dos homens diante de Deus, que razão justificaria a sua missão eclesial?! Será que, na base desta consulta popular, há uma tentativa de substituir a Igreja hierárquica por uma Igreja democrática, de tal forma que os pastores, até agora entendidos como representantes de Deus, passassem a sê-lo do povo?! É o que parece deduzir-se do Relatório quando refere “uma Igreja onde os processos de tomada de decisão e escolha de lideranças é pouco transparente e inclusivo”, para depois propor “uma vivência mais democratizada [sic] e condizente com a sociedade”.

6. A Igreja é, certamente, a assembleia dos fiéis, mas o fundamental não é o consenso, nem a opinião maioritária, mas a verdade e a salvação, que só em Cristo se podem encontrar. De nada serviria o Baptismo, se fosse apenas um rito de admissão à instituição eclesial; nem a Eucaristia, se a consagração do pão e do vinho fosse meramente simbólica; ou a confissão sacramental, se o perdão fosse tão só do ministro ou, até, da comunidade eclesial. A acção sacramental é válida porque é eficaz, na medida em que realiza o efeito significado, não como um mero acto social e comunitário, mas como acção da graça, em ordem à salvação eterna.  A visão meramente terrena da realidade eclesial exclui o essencial, porque essa actuação é, de facto, acção de Deus no mundo.

7. Diz o Relatório que “resulta claro que todos querem uma Igreja renovada, mais amiga dos necessitados, mais santa e mais evangélica, que propicie o envolvimento de todos. O que não está claro é se essa tal “Igreja renovada” continuará a ser a Igreja de Jesus Cristo ou, pelo contrário, uma nova Igreja, como as Igrejas ‘reformadas’ de Lutero, Calvino e outros ‘reformadores’. Já quando se disse que era preciso “passar de uma Igreja exageradamente centrada na autoridade e ação do clero para uma Igreja sinodal e missionária”, mais do que expressar a renovação da única Igreja, subentendia-se a refundação da Igreja existente numa nova Igreja, estabelecida em função do paradigma da modernidade. Ora a Igreja, fundada por Cristo, não pode ser refundada pelos homens, nem precisa de reformadores que, ao jeito dos que, no século XVI, dela se separaram e fundaram as igrejas ditas protestantes. A Igreja católica, mais do que reformadores, precisa de santos que a realizem, na plenitude da sua mensagem sempre actual, porque divina.

8. O carácter sociológico deste Relatório, bem como o seu alinhamento com o pensamento politicamente correcto, é chamativo: “As diferentes comunidades diocesanas acreditam que a participação, corresponsabilidade e sinodalidade, não são ainda efetivamente praticadas na Igreja, o que tem consequências na forma como se vive e se perceciona a Igreja, uma visão espelhada nas seguintes afirmações: uma Igreja espiritual e humanamente pouco inclusiva e acolhedora, discriminando quem não está integrado ou não vive de acordo com a moral cristã, isto é, divorciados, recasados e pessoas com diferentes orientações sexuais, identidades e expressões de género (grupo LGBTQi+) (…).

9. É descabido que um documento eclesial utilize uma nomenclatura ideológica sem qualquer fundamento científico, como é o termo “expressões de género (grupo LGBTQi+)”. É preocupante que o Relatório dê a entender que é, pelo facto de a Igreja ser “espiritual”, que é “humanamente pouco inclusiva e acolhedora”.

Ao contrário do que este texto faz crer, é precisamente por não ser mais espiritual que a Igreja é menos inclusiva e acolhedora, não o contrário. A máxima espiritualidade – pense-se em Francisco de Assis, João de Deus, ou Teresa de Calcutá – não aliena, mas compromete o fiel com aqueles que mais necessitam a integração eclesial. Com certeza que a Igreja deve ir ao encontro dos mais necessitados, que são, sem dúvida, os pecadores, não para acolher e justificar as suas faltas, mas para curar as suas chagas humanas e espirituais, qual hospital de campanha, de acordo com a tão feliz e recorrente imagem do Papa Francisco. Só assim a Igreja é verdadeiramente de Jesus Cristo, que curou os cegos, paralíticos, surdos e mudos e, sobretudo, perdoou e salvou os pecadores arrependidos.

10. Embora se compreenda que um diagnóstico tenha de ser crítico, chama a atenção o tom desta abordagem, que sublinha os aspectos negativos e ignora os positivos. Regista-se a indiferença de alguns leigos e dos jovens, mas não se referem, por exemplo, os milhares de universitários que, todos os anos, participam na “Missão País”. Diz-se que a Igreja “apresenta uma atitude algo soberba”, mas os religiosos não são tidos nem achados e ignora-se o serviço humilde das religiosas, activas e contemplativas, que prestam um inexcedível serviço à sociedade. Lamenta-se “uma Igreja em declínio social no que respeita à sua reputação e relevância”, mas esquece-se que a exposição mediática, quando não é escandalosa e prejudicial, é, pelo menos, fútil e superficial e, por isso, Jesus Cristo evitava qualquer sensacionalismo ou espectacularidade. Regista-se ainda “uma Igreja pouco disponível para discutir (…) o celibato dos sacerdotes e a ordenação dos homens casados e das mulheres”, quando o mundo não precisa de mais discussões, mas de mais oração, penitência e acção evangelizadora e pastoral. 

11. É pena que este Relatório, que se queixa de ser a nossa “uma Igreja que não considera as mulheres”, não tenha referido Nossa Senhora, nem a mais importante expressão da fé católica em Portugal: Fátima. Talvez por se ter optado por um discurso mais sociológico do que espiritual, não se menciona a expansão missionária na era dos Descobrimentos, presente na multiculturalidade da actual sociedade portuguesa, onde se verifica uma saudável e ecuménica convivência entre pessoas de todas as raças e religiões.

12. Com certeza que todos os divorciados, recasados e pessoas com diferentes orientações sexuais, identidades e expressões de género (grupo LGBTQi+) merecem o respeito que lhes é devido por parte de todos os cristãos e, se neles houver, como em todos os outros fiéis, um sério propósito de conversão, têm lugar na Igreja católica.

13. A Igreja que amamos e em que cremos, apesar de nos sabermos pecadores, é “una, santa, católica e apostólica”. É a Igreja dos Anjos e dos Santos, dos profetas, dos patriarcas, dos apóstolos, dos evangelistas, dos mártires, dos confessores e das virgens, que neste Relatório foram esquecidos, senão mesmo discriminados. É, entre muitos outros, a Igreja do Arcebispo São Bartolomeu dos Mártires, do Santo Condestável, da Rainha Santa Isabel, de Santa Beatriz da Silva e dos Santos Francisco e Jacinta Marto. É também, decerto, a nossa Igreja, mas é, sobretudo, a Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo, que é Deus com o Pai e o Espírito Santo; a Igreja que só a Deus adora e que venera Maria, Mãe de Deus e nossa Mãe, Rainha e Padroeira de Portugal, Mãe da Igreja. 

Subscritores, por ordem alfabética do último nome: Padre Gonçalo Portocarrero de Almada, cronista do Observador e da Voz da Verdade; Mafalda Miranda Barbosa, Professora da Faculdade de Direito de Coimbra; José Bernardo Trindade Barros, Advogado e Professor universitário; Gonçalo Figueiredo de Barros, Jurista e Empresário; Luís do Casal Ribeiro Cabral, Médico; Cónego Armando Duarte, Pároco dos Mártires, Lisboa; António Bagão Félix, Economista e Professor universitário; Pedro Borges de Lemos, Advogado; João Paulo Malta, Médico; Aida Franco Nogueira, Advogada; Paulo Otero, Professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa; Padre Mário Rui Leal Pedras, Pároco de São Nicolau, Lisboa.

Lisboa, 31-8-2022.