segunda-feira, julho 04, 2022

Castanheira, o poeta cenógrafo e as suas construções

 

O Festival de Almada decidiu homenagear, nesta 39ª edição, o conceituado e premiado arquiteto, cenógrafo e pintor José Manuel Castanheira. É feliz a ocasião para celebrar o amor pelo teatro que preside à conceção das suas cenografias dramatúrgicas, no gesto poético com que reescreve o texto, onde imprime as marcas de sua inventividade pictórica e arquitetónica.

Os espectadores de Almada conhecem bem a marca estilística dos seus trabalhos cenográficos, de eficácia funcional e metafísica, a conceber espaços a habitar pelos atores, dramaturgos e espectadores, onde a arquitetura e a pintura convivem de forma harmoniosa e produzem novos sentidos na polifonia do espetáculo.

A sua prática cenográfica é extensível à conceção de espaços expositivos museológicos, à docência de formação arquitetónica e cenográfica, à criação de livros e catálogos, objetos artísticos cujo centro é o teatro. Prova desse labor imaginativo, persistente e plurivalente são as exposições que tem realizado neste Festival e, a que apresenta nesta edição, uma exposição a percorrer os inúmeros campos de atuação a que tem dedicado a vida: cenografia, desenho, pintura, pedagogia, livros e artigos, design gráfico, arquitetura teatral, arquitetura efémera, instalação, vídeo. Vasos comunicantes do seu saber estético e teatral, de natureza multíplice e do desejo de compartilhar o seu pensamento singular e apaixonado pelo mundo e suas representações.

As cenografias de Castanheira surgem clara e consistentemente qualificadas para transcodificar o enunciado dramático; ao refletirem a leitura do texto e a adequação à prova do palco, inventam um espaço de jogo habitável, o lugar da enunciação onde os atores evoluem e criam o contexto exato para a encenação. Impõem-se pela eficácia estrutural, dramatúrgica e plástica, a ocupar em harmonia o lugar consonante na polifonia do espetáculo.

A sua obra derrama-se em muitos espaços e textos, cidades e países, numa atividade multifacetada que inclui também o bailado, o cinema e a ópera, pelo que não é fácil elencar todos os trabalhos deste cenógrafo de exceção, que nasceu em Castelo Branco, em 1952, e que se mantém fiel às suas origens, lugares e afetos.

Convém, no entanto, referir que realizou mais de 300 cenografias em 16 países, colaborando com mais de uma centena de encenadores, realizadores ou coreógrafos, a conferir-lhe o lugar de destaque na história da cenografia (e do teatro), nacional e internacionalmente consagrado, sobretudo após o Centro Georges Pompidou (Paris) lhe dedicar uma exposição retrospetiva em 1993.

Recebeu prémios, nomeações e distinções nacionais e internacionais. É membro da Real Academia de Belas Artes de Cadiz e da Academia de Artes Cénicas de Espanha. Foi um dos fundadores da Associação Portuguesa de Cenografia e coordenador para a Europa do projeto TELA (Teatros da América Latina).

Na Cenografia de Exposições concebeu uma máquina cenográfica para a Expo98 (o Voo da Cegonha, que ofereceu depois à sua cidade natal) e diversos dispositivos para o Pavilhão de Portugal na Expolangues-Paris, Museu Gulbenkian-Lisboa, Alfândega-Porto, Pavilhão de Portugal na Expo98, ARCO-Madrid, MUDE-Lisboa, Museu da cidade de Almada e várias instalações no Teatro e Festival de Almada.

Na Arquitetura Teatral foi consultor de vários projectos como o Auditório da Culturgest/CGD (Lisboa), fez o projeto de reabilitação do Teatro Gregório Mascarenhas (Silves) e coordena o projeto de reabilitação do Cine-Teatro Gardunha (Fundão).

Helena Simões

Jornal de Letras