sexta-feira, fevereiro 25, 2022

Está escrito nas árvores: a lei da vida é dar

 


Porque reparas no cisco que está no olho do teu irmão? Notemos a precisão do verbo: porque «reparas», e não simplesmente “olhas”; porque observas e fixas o olhar sobre ciscos, ninharias, pequenas coisas erradas, perscrutas a sombra em vez da luz daquele olho? Com uma espécie de prazer maligno em procurar e evidenciar o ponto fraco do outro, a regozijares-te com os seus defeitos. Quase a justificar os teus.

Há um motivo: quem não quer bem a si próprio, só vê mal à sua volta; quem não está bem consigo, está mal também com os outros. Ao contrário, aquele que se reconciliou com o seu profundo, vê o outro com bênção. Com olhar abençoante. Deus olhou e viu que tudo era coisa muito boa (cf. Génesis 1, 31). O Deus bíblico é um Deus feliz, que não só vê o bem, como o emana, porque tem um coração de luz e o seu olho bom é uma lâmpada, onde pousa espalha luz (cf. Mateus 6,22). Um olho mau, ao invés, emana obscuridade, multiplica ciscos, espalha amor pela sombra. Ergue uma trave diante do Sol.

Não há árvore boa que produza maus frutos. A moral evangélica é uma ética da fecundidade, de frutos bons, de esterilidade vencida, e não de perfeição. Deus não procura árvores sem defeitos, com nenhum ramo quebrado pela tempestade, ou contorcido de cansaço, ou esburacado pelo pássaro ou pelo inseto. A árvore ultimada, que chegou à perfeição, não é aquela sem defeitos, mas a dobrada pelo peso de muitos frutos repletos de Sol e de sucos bons.

Assim, no último dia, esse dia da verdade de cada coração (cf. Mateus 25), o olhar do Senhor não se pousará sobre o mal, mas sobre o bem; não sobre mãos limpas ou não, sobre frutos carregados de espigas e pão, cachos, sorrisos, lágrimas enxugadas. A lei da vida é dar. Está escrito nas árvores: não crescem entre terra e céu durante dezenas de anos por si mesmas, simplesmente para se reproduzirem: ao carvalho e ao castanheiro bastaria uma bolota, um ouriço a cada trinta anos. Em vez disso, a cada outono oferecem o espetáculo de uma magnificência de frutos, um desperdício de sementes, um excesso de colheita, muito mais do que o necessário para apenas se reproduzirem. É vida ao serviço da vida, dos pássaros do céu, dos insetos esfomeados, dos filhos do homem, da mãe terra. As leis da realidade física e as do espírito coincidem.

Também a pessoa, para estar bem, deve dar, é a lei da vida: deve fazê-lo o filho, o marido, a mulher, a mamã com a sua criança, o ancião com as suas memórias. Cada ser humano bom extrai o bem do bom tesouro do seu coração. Todos nós temos um tesouro, é o coração: a cultivar como um Éden; a gastar como um pão; a proteger com desvelo porque é a fonte da vida (cf. Provérbios 4, 23). Por isso, não sejas avaro com o teu coração: dá-o.

Ermes Ronchi
In Avvenire
Trad.: Rui Jorge Martins