segunda-feira, janeiro 01, 2018

Contemplar o tempo


Não nos resta mais, nesta altura do ano, que contemplar o tempo. O tempo que fecha mais um círculo que, mesmo não sendo do nosso aniversário, nos diz respeito. De forma imprópria dizemos que é o aniversário do mundo, da história, mais uma volta, velho e novo ano, rodagem da vida.

É o tempo. Tudo o que não é eternidade tem uma morte anunciada, prevista com mais ou menos precisão, mas sempre inevitável. A eternidade perdoa, prolonga, sustém, perdura, não tem pressa, não olha o relógio, vê sempre mais longe, não se precipita, não se inquieta nem aguarda qualquer mudança, nem espera nenhum benefício, nem teme algum insucesso.

O tempo facilmente se dilui. Andamos a olhar os relógios, consultar os calendários, acreditar nas pitonisas, a temer o amanhã. A finitude do tempo tira-nos ilusões sobre os absolutos que colocamos em breves momentos, percursos estreitos, esperanças ligeiras com ilusão de perenidade. Folheando o Livro da Sabedoria ou a Imitação de Cristo nos apercebemos da vacuidade de muitos dos nossos projetos e o vazio de tantas expectativas.

Uma passagem de ano pode também servir para redimensionarmos a nossa existência, medirmos o que passou e arriscarmos sobre aquilo que nos falta cumprir. Não, não é um exercício vão de esperar mais da morte que da vida, cultivar o desprezo da existência na fixação mesquinha em tudo o que de negativo nos acontece. É simples procura de verdade.

Têm razão os crentes que transformam o último dia do ano em tempo de ação de graças como quem exprime o reconhecimento por todos os momentos vividos como dádiva de Deus. Quem tem medo dê graças a Deus por ter sobrevivido a tantos laços que, sem êxito, a morte lançou.

Basta-nos respirar para termos mil motivos de gratidão. 

Pe. António Rego