quarta-feira, fevereiro 02, 2011

TEMPO (D)E MUDANÇA



Fevereiro. Ainda há pouco lutávamos para corrigir a tendência de continuar a escrever 2010 no final das datas em documentos oficiais ou nos nossos moleskines e eis-nos entrados, desapercebidos, no segundo mês do ano. Alguns planos que fizemos no começo de 2011 talvez nos comecem a parecer algo inviáveis ou, pelo menos, difíceis de concretizar. Relapsos, persistimos nos mesmos velhos erros que nos tínhamos proposto corrigir. Subitamente, o ano novo não é assim tão novo, ou tanto quanto gostaríamos. E, todavia, nenhuma impressão é mais falsa, porque mais fácil. Basta termos a coragem de dar ao olhar o seu uso próprio, que só o espelho subverte: o Norte de África agita-se em busca da liberdade, numa sequência de revoluções impensáveis em Dezembro; entre nós, dezenas de colégios ameaçam fechar, com a renegociação dos contratos de associação.

«Todo o mundo é composto de mudança», dizia o Poeta. A ilusão da continuidade é tanto mais perigosa quanto se apresenta como uma deturpação da própria ideia sagrada de eternidade. Somos seres no Tempo, e o tempo é história («intensa e aberta», como um conto de Flannery O’Connor) e a história é acção. Em muitos aspectos, esta edição do essejota é um convite a que, de facto, contrariando os primeiros sinais de re-acomodação e o rápido esvair da força das boas intenções do começo do ano, não adormeçamos (Deus cuidará de, pelos seus mensageiros, nos despertar), antes assumamos, conscientes, a tarefa cristã de sermos profetas, anunciadores de boas palavras, fundados na Palavra. Há, porém, que cultivar a coerência entre os gestos e a mensagem, ou esta fica esvaziada da sua credibilidade. Ser um verdadeiro cristão implica, portanto, face ao Fim que nos propomos, procurar os meios para tal, e unir o pensamento à mão (para citar Sophia), como a entrevistada deste número.

Não é, certamente, um caminho simples, e é demasiado fácil desistir. O nosso esforço, tantas vezes, parece não dar frutos, também porque os queremos imediatos (à letra: sem meios), mas «a força à pressa é desajeitada». A mudança é, o mais das vezes, morosa, se quer ser profunda, e é preciso aprendermos o valor das pequenas conquistas, que só a força pura, a graça, pode trabalhar. É a abertura a esta graça que, como se lê na rúbrica da Imagem, «nos dá a incrível sabedoria de voar sem tirar os pés da terra». Porque a mudança cristã nunca é utópica, uma declaração de bons propósitos, desligada das condições reais do mundo em que operamos. Deus, porém, não nos dispensa do possível, e nós podemos mais do que imaginamos. Saibamos tão-só aceitar o Seu desafio para mudar e, assim, «este vai ser o melhor 2011 de sempre», como anunciava alguém na passagem de ano, entrevistado por um repórter. A frase, se pensarem nela, é bem mais sábia do que cómica: esta bem pode ser, afinal, (e não vale aqui evocar Leibniz: o sentido é outro) a melhor vida de sempre, se a soubermos viver — Deus não nos fez para menos que isso. «Vim para que tenhais vida, e vida em abundância»: sob as neves de Fevereiro, esconde-se já a Primavera.

João Diogo Loureiro