quinta-feira, novembro 18, 2010

O compromisso com um país que é nosso


No rescaldo da discussão e aprovação do Orçamento de Estado, temos vivido tempos de manifestações e cartazes de descontentamento, denúncias de desperdícios aberrantes de dinheiros públicos, a confusão da greve geral convocada em conjunto pelas duas intersindicais (coisa que não acontecia desde 1988), unidas perante um “inimigo comum”. Não é possível ignorar o cenário de desânimo, medo e acusação recíproca. Porque quem devia ter feito não fez, ou fez mal, porque muitos tinham previsto e ninguém os ouviu, porque se aperta o cinto a uns e não a outros.

A verdade é que, de uma forma ou de outra, agora todos vão ser atingidos: uns porque são funcionários públicos e vão ver os seus salários reduzidos, outros porque recebiam abono de família e deixarão de o receber, e todos – não há como escapar – porque passaremos a pagar um IVA de 23% quando formos às compras.

O país já estava em crise, o desemprego já superara a barreira dos 10%, as instituições de solidariedade já se viam a braços com sucessivas vagas de novos pobres a quem acudir. Já tinha havido vários PEC, já todos tínhamos refilado, mas nunca como agora o país se assustou. A corrupção era crónica, a cultura do mérito já fora destronada pela figura do “espertalhão”. Mas agora é que as consequências vieram ao de cima e deixou de ser possível camuflá-las.

No descontentamento geral que se sente, porém, notam-se dois fenómenos, que muitos apelidariam de “tipicamente portugueses”, mas talvez sejam simplesmente “humanos”. Por um lado, o facto de a tendência de nos interessarmos pelas medidas do governo e de refilarmos contra elas acontecer porque “nos vão ao bolso”. Os funcionários públicos teriam organizado uma manifestação se não tivessem sido alvo de um corte de salários? Haveria tantos grevistas no dia 24 de Novembro se a bancarrota do país não tivesse um impacto directo no seu poder de compra?

Por outro lado, é notório o vício de nos unirmos para encontrar bodes expiatórios para o mal de que padecemos, em vez de olharmos para o que nos compete fazer em favor do bem comum. O abono de família a que renuncio é algo que me é “roubado”. Se deixar de ter subsídio de férias ou de Natal, é porque “eles” mos “cortaram”. Tudo me é tirado à força, não são sacrifícios que faço, juntamente com os que me rodeiam, com a consciência de que há períodos assim (sempre os houve na História) e serão certamente ultrapassados, com o esforço de todos.

Claro que há culpados, claro que há irresponsabilidade. E sem dúvida que muita gente permanecerá impune, apesar das más decisões tomadas, ou decisões difíceis por tomar. Mas o espírito de apontar o dedo sem olhar para os privilégios que eu ainda tenho e de que posso abdicar (sim, porque receber 14 meses quando se trabalha 12 não deixa de ser um privilégio), não leva a lado nenhum.

Como disse Hugo Gonçalves no seu “elogio da crise”, «nós, os filhos do pós-revolução, crescemos com televisões a cores, jogos de computador, os videoclips da MTV a açucarar-nos a vida. (…) Recebemos o conforto que faltou aos nossos pais. Trabalhamos num escritório com ar condicionado e wi-fi, numa rua com dezenas de multibancos. (…) Cruzámos os braços. Não fomos votar no referendo do aborto. Comprámos, por fim, a casa. (…) Em breve, caso a depressão económica nos arrase, deixaremos de ter subsídios de férias e segurança social e ar que se respire. Em breve seremos mais frugais, mais sensatos, obrigatoriamente mais activos. Precisamos muito desta crise.»

Precisamos dela para nos desinstalarmos, para nos virarmos para aqueles que estão muito pior do que nós, para reconhecermos que ter limites para as próprias aspirações não é tabu, e que de facto, até agora, fomos talvez uma geração mimada. Está na altura de nos perguntarmos: qual o meu papel neste tempo novo de reconstrução?

Joana Rigato