
31.01.2009, Alexandra Campos - Jornal Público
Enfermeira garantia que o estabelecimento em Leça do Balio funcionava legalmente. Preço por aborto clandestino podia chegar aos dois mil euros
Enfermeira garantia que o estabelecimento em Leça do Balio funcionava legalmente. Preço por aborto clandestino podia chegar aos dois mil euros
Quase dois anos após o referendo que despenalizou a interrupção voluntária de gravidez (IVG) até às dez semanas, ainda há locais onde se fazem abortos de forma clandestina em Portugal. Isso ficou ontem provado de forma inequívoca depois de a PSP do Porto ter anunciado o encerramento de uma "clínica" que garantia na Internet estar licenciada para esta actividade, mas funcionava de forma ilegal numa zona de escritórios em Leça do Balio (Matosinhos). A dona do estabelecimento é uma enfermeira que se intitulava médica com a especialidade de ginecologia e fazia abortos para lá do prazo máximo previsto na lei, desde que as clientes pagassem mais do que o preço-base (450 euros).
Enfermeira garantia que o estabelecimento em Leça do Balio funcionava legalmente. Preço por aborto clandestino podia chegar aos dois mil euros
Enfermeira garantia que o estabelecimento em Leça do Balio funcionava legalmente. Preço por aborto clandestino podia chegar aos dois mil euros
Quase dois anos após o referendo que despenalizou a interrupção voluntária de gravidez (IVG) até às dez semanas, ainda há locais onde se fazem abortos de forma clandestina em Portugal. Isso ficou ontem provado de forma inequívoca depois de a PSP do Porto ter anunciado o encerramento de uma "clínica" que garantia na Internet estar licenciada para esta actividade, mas funcionava de forma ilegal numa zona de escritórios em Leça do Balio (Matosinhos). A dona do estabelecimento é uma enfermeira que se intitulava médica com a especialidade de ginecologia e fazia abortos para lá do prazo máximo previsto na lei, desde que as clientes pagassem mais do que o preço-base (450 euros).
Com 56 anos e residente em Esposende, a enfermeira foi detida pela PSP em flagrante quando acabava de interromper a gravidez a uma cliente, ajudada por uma empregada de limpeza. As duas mulheres acabaram por ser libertadas ontem à tarde pelo Tribunal de Instrução Criminal do Porto, mas vão ter que se apresentar semanalmente às autoridades e ficaram proibidas de frequentar o estabelecimento. Este foi o primeiro caso de uma clínica encerrada após a entrada em vigor da nova lei do aborto, na sequência do referendo de Fevereiro de 2007 que despenalizou a prática da IVG desde que efectuada até às 10 semanas de gravidez e num estabelecimento autorizado.
Falta de higiene e ferrugem
Composto por várias salas, o consultório tinha todos os equipamentos necessários, "mas deixava muito a desejar em termos de higiene e alguns utensílios usados estavam mesmo enferrujados", descreveu o comissário Rui Matos, da Divisão de Investigação Criminal. A mulher que interrompeu a gravidez ainda não tinha acordado da anestesia geral quando a brigada da PSP entrou no estabelecimento e foi de imediato transferida para um hospital, não recaindo sobre ela e o marido que a acompanhava qualquer acusação. Casada, com dois filhos, o mais pequeno dos quais com apenas quatro meses, explicou à polícia que decidiu abortar ali por acreditar que se tratava de uma clínica legal e porque teria maior confidencialidade.
A quantia acordada eram 450 euros, mas a PSP, que investigou o local durante três meses, identificou uma situação em que uma grávida de 17 semanas pagou dois mil euros pelo aborto. Tudo indica que se trata do mesmo estabelecimento que em Dezembro de 2007 foi identificado pela Direcção--Geral da Saúde (DGS), na sequência de uma reportagem do Diário de Notícias. Na altura, a DGS pediu à Inspecção-Geral das Actividades em Saúde que investigasse o caso. Em Fevereiro de 2008, o processo foi remetido ao Ministério Público, por haver indícios de prática de crime. O presidente da Comissão de Saúde Materna e Neonatal, Jorge Branco, confessa a sua tristeza por situações como esta, depois de "tanto se ter pugnado pela criação de uma rede de serviços que garante toda a segurança às mulheres" - 38 hospitais públicos, alguns centros de saúde e três estabelecimentos privados.Branco só consegue explicar o recurso a locais ilegais por algumas mulheres deixarem ultrapassar o prazo máximo previsto na lei: "Neste momento não há razão para haver locais clandestinos. Não percebo".
O director executivo da Associação para o Planeamento da Família (APF), Duarte Vilar, reconhece que o "aborto inseguro continua a existir neste tipo de esquemas, mas sobretudo através do comércio de Citotec", medicamento para interromper a gravidez, especialmente nos bairros sociais das grandes cidades. Por reconhecer que ainda persiste alguma "ignorância" relativamente aos direitos e aos recursos disponíveis, a APF está justamente a preparar uma campanha de informação sobre esta matéria.
Cláudio Anaia, socialista católico que se bateu pelo "não" no referendo, é peremptório: este caso prova "que os cartazes que o PS pôs a circular em 2007 - e em que afirmava que o 'sim' iria 'acabar com o aborto clandestino' em Portugal - eram "enganadores".