quinta-feira, janeiro 15, 2009

Gozar a vida

«Provavelmente, Deus não existe. Por isso, deixa-te de angústias e goza a vida». Estas frases servem de base a uma campanha publicitária de uma associação de ateus militantes e podem suscitar vários comentários e várias questões: o que significa “gozar a vida?”; será que Deus nos impede de “gozar a vida”?

Desde logo, é perigoso, até para a harmonia da convivência social, dar a entender que a suposta inexistência de Deus se traduz num salvo-conduto para uma conduta irresponsável no plano moral. «Se Deus não existe, tudo é permitido» - ficou célebre esta frase de uma personagem do escritor russo Dostoievsky. Se a pessoa humana se vê a si própria como criadora das regras da sua conduta, sem as receber de um Ser que a transcende e perante o qual deva responder, esse risco existe.
Mas há que reconhecer que muitos ateus não se revêem nesta postura de quem, por ser ateu, pode “gozar a vida” de forma irresponsável. O Papa Bento XVI tem, por isso, sugerido que crentes e não crentes adoptem regras morais comuns «como se Deus existisse».

Li outro tipo de comentários a estas frases, que me pareceram oportunos: que sentido tem sugerir que se “goze a vida” a uma pessoa que, por motivo de doença ou outro, experimenta um sofrimento atroz e inevitável? Afirma o Pe. Raniero Cantalamessa O.F.M. Cap. «Coloco-me no lugar de um pai que tem um filho deficiente, autista ou gravemente enfermo, de um imigrante que foge da fome ou dos horrores da guerra, de um operário que ficou sem trabalho, ou de um camponês expulso da sua terra…Pergunto-me como é que ele reagiria a esse anúncio: “Deus não existe. Não te preocupes e goza a vida”». Com essa sugestão – acrescento eu - não estamos a dizer que a vida dessas pessoas não tem sentido? Mas todos, num ou noutro momento, de uma ou de outra forma, conhecemos o sofrimento…

Na verdade, a experiência de muitos de nós diz-nos que Deus não nos impede de desfrutar as alegrias da vida. Pelo contrário, ajuda-nos a descobrir aquelas alegrias que não se esgotam na superficialidade de um momento passageiro de euforia e que perduram no tempo porque atingem o nosso ser mais profundo (aqueles “tesouros que a traça não corrói” de que fala o Evangelho). Deus não é inimigo da vida e da nossa liberdade; quando aparentemente limita a nossa liberdade, fá-lo em função de um bem maior, fá-lo para nos tornar autenticamente livres.
A fé em Deus ajuda-nos também a descobrir o sentido do sofrimento a que nunca podemos escapar. Para os cristãos, Jesus crucificado e abandonado é a expressão máxima de um Deus que assume em primeira pessoa o sofrimento humano e nos indica o caminho que, através do sofrimento, nos conduz à plenitude da vida e do amor, à Ressurreição.

Desfrutar as alegrias da vida de pouco valeria sem o horizonte da eternidade. É este horizonte que nos faz identificar as alegrias que perduram e não se esgotam e que nos permite experimentar em Deus a plenitude do amor e da alegria. Uma experiência que se inicia aqui na terra (esta não é só “um vale de lágrimas”), mas que não morre, porque culmina no Paraíso.

Pedro Vaz Patto