quarta-feira, janeiro 30, 2008
O TRATADO DE LISBOA E O RUÍDO
Após a assinatura do Tratado de Lisboa, todos tivemos a oportunidade de assistir a um conjunto de declarações defendendo que a ratificação dessa convenção internacional fosse feita em Portugal por via referendária, quer por convicção ou suposta convicção, quer na base do programa eleitoral do PS de 2005 no qual se prometia referendar a Constituição Europeia.
Ora, antes de mais há que ter em conta que só por demagogia e politiquice de fraco gabarito se pode considerar que se tratam de uma e mesma coisa. É evidente que em termos estruturais as soluções são basicamente idênticas, mas essas são questões que não colidem sequer com as relações entre os Estados-membros e a União. Há uma diferença efectiva de natureza: por um lado, pelo próprio peso verbal e simbólico da palavra Constituição, e por outro por não constarem do Tratado ora aprovado certas e determinadas normas, nomeadamente a altamente polémica (embora de interpretação não necessariamente literal – pelo contrário) norma que conferiria a toda e qualquer disposição legal de origem comunitária superioridade (e carácter paramétrico) sobre todo e qualquer texto legal dos Estados-membros. Não estando em causa essa qualidade relativamente às normas ordinárias, houve logo quem considerasse que tal disposição incluiria igualmente as normas constitucionais, o que por várias razões do foro jurídico seria bastante duvidoso. Designadamente, tal significaria no caso português que por força de um tratado internacional, ele próprio por natureza de hierarquia inferior à Constituição, normas de Direito derivado prevalecerem sobre normas constitucionais, o que é manifestamente impossível – e ilógico.
Cai assim por terra desde logo o argumento dos que sustentam tratar-se de uma promessa eleitoral não cumprida pelo PS.
Mais interessante, contudo, é verificar a argumentação daqueles que se manifestaram a favor da via referendária em Portugal.
A extrema-esquerda marxista limitou-se a disparar a ladainha habitual. O objectivo nacional era claro: defender um não no referendo, antes de mais (caso do PCP), como forma de protesto contra as políticas do Governo. O que constituiria um descarado aproveitamento do tempo de antena a que teriam direito para fins perfeitamente diversos do que estava em causa – tal tipo de comportamento desonesto é aliás a norma, no que respeita ao PCP. Mas há que ter igualmente em conta os objectivos de carácter internacional, mais visíveis no caso do BE: é notório por todos aqueles que tomam um mínimo de atenção que forças políticas como essa muito assentes no politicamente correcto procuram por todos os meios colocar pessoas da sua área em organizações internacionais, tendo em vista forçar por via supranacional aquilo que nunca conseguem fazer pelos meios da democracia. E relativamente à União Europeia, branco mais branco não há: que se lixem os acordos ao nível do Conselho, que tudo o que não seja colocar uma marca ideológica marxista é logo qualificado como defesa do horrível neoliberalismo.
Do CDS assistimos ao que era previsível. Sabendo que o PS e o PSD teriam uma posição contra o referendo, tal como aliás o Presidente da República (quando é do máximo interesse do CDS capitalizar todos os descontentamentos à direita contra Cavaco Silva tendo em vista uma altamente provável candidatura de Paulo Portas às eleições presidenciais de 2011), era facto consumado que mais dia menos dia viria a defesa do referendo. Puro tacticismo. Nada de substancial.
Não posso aqui deixar de me referir também àqueles que vêm sempre periodicamente a dizer que se deveria referendar por si a presença de Portugal na União. O que é a defesa de algo verdadeiramente patético. Não estando em causa essa mesma presença, que efeitos poderia ter um referendo? Há que admitir que um referendo sobre qualquer matéria europeia traria perigos para o futuro, designadamente ao nível da própria independência nacional. É certo que o perigo da criação de um estado federal europeu é algo que não se coloca a partir do alargamento a 25 e depois a 27. Mas o que me garante que um voto favorável a um referendo anterior não seria usado num futuro longínquo como demonstração que já se votara nesse caminho e que não seria necessário um referendo em concreto? Ou seja, guarde-se o referendo para quando as situações são efectivamente importantes. Aliás, no caso concreto o Tratado de Lisboa é de tal forma tão pouco relevante naquilo que é efectivamente importante em sede de soberania e direitos que nem a Dinamarca o vai referendar.
Por fim, e como militante do PS, é no mínimo cansativo estar a ver sempre os mesmos que se dizem donos da verdade e do que é a ideologia socialista – e que de socialistas têm muito pouco, aliás, basta ver um desses casos que no seu blog passa a vida a elogiar textos de pessoas ligadas ao BE, a virem com essa mesma conversa, e que curiosamente é o mesmo cidadão que por duas vezes saiu do PS, uma delas para acabar por fazer acordos com o PSD (em conjunto com esse exemplo máximo da inveja e do ressabiamento que se chama António Barreto), e da outra para fazer de amanuense do general Eanes. Solidariedade com os órgãos democraticamente eleitos do Partido? O que é isso perante uma luta quixotesca a pretender sistematicamente prejudicar o próprio Partido onde militam perante a opinião pública colando à respectiva liderança e à actuação do Governo rótulos de neoliberal? O que querem esses cavaleiros do passado? Um Estado falido? Uma prática anti-democrática e anti-socialista segundo a qual os direitos de alguns estão acima dos da totalidade dos Portugueses só por serem trabalhadores, principalmente se forem trabalhadores do Estado?
Uma última nota para não deixar de me referir ao mau serviço à democracia que constituiria um referendo. Que democracia seria algo em que previsivelmente teríamos uma abstenção superior a 70 ou mesmo a 75%? Haja juízo.
Pedro Sá
Jurista