quinta-feira, novembro 23, 2006

O Aborto e a raiz do problema



Qualquer texto ou artigo de opinião sobre o aborto gera habitualmente no leitor, em função da sua convicção sobre o assunto, uma identificação ou uma rejeição da posição ideológica de quem escreve. De resto, já há muito tempo que este tema é debatido na sociedade portuguesa, por essa razão os argumentos de ambos os lados são bem conhecidos.

Julgo ainda que, quer ganhe o “sim” ou o “não” no novo referendo que se avizinha, pouca coisa mudará. Ou seja, o debate ideológico, embora importante, tem que ter uma repercussão prática, criando verdadeiras soluções, caso contrário não irá servir para realmente alterar as coisas. Por outras palavras, a raiz do problema permanecerá!

É relativamente consensual entre os que defendem a legalização do aborto e aqueles que se opõem, de que o aborto – independentemente das circunstâncias em que é realizado – é algo de mau, repugnante e de que ninguém deverá orgulhar-se. Mas o mais importante é que poderia ser evitado! Então, se pode ser evitado, por que é que a maioria das pessoas se fixa obsessivamente na luta ideológica e não procura encontrar soluções concretas?

Sem pretender criar estereótipos, sabemos que muitas das mulheres que abortam fazem-no por imaturidade, maus-tratos, abusos sexuais, solidão, abandono, dificuldades económicas, etc. Em suma, fazem-no por julgarem que não têm outras opções. A verdade é que muitas mulheres que abortam não têm muitas alternativas. Ficam entregues a si próprias, uma vez que a sociedade – salvo honrosas excepções de algumas instituições de solidariedade social – não lhes deu grandes hipóteses de escolha.

O Estado tem uma legislação específica para este assunto (Centros de Apoio à Vida), mas que hipocritamente os governos verdadeiramente nunca fizeram aplicar. Por outro lado, aqueles que procuram lutar contra o aborto “pela positiva”, estão desapoiados e não dispõe de estruturas suficientes para fazer face às reais necessidades desta calamidade. Várias mulheres que abortam ficam assim num beco sem saída, sem possibilidades de opção, sem apoio e, ao contrário daquilo que é dito, ficam privadas da sua liberdade. Ou seja, mesmo que queiram levar por diante a gravidez não lhes é dada essa oportunidade. E, caso estejam numa situação de “vida miserável”, ela certamente irá perdurar depois de terem abortado.

Estamos assim diante um problema complexo, necessitando por essa razão de respostas que envolvam várias entidades e diferentes técnicos: médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, etc. Mas por que não tentar fazer alguma coisa? Limitar o aborto a uma questão de planeamento familiar é uma visão demasiado redutora, atribuir-lhe apenas razões sociais e económicas é por sua vez demasiado fatalista. Ao mesmo tempo, aqueles que abordam com ligeireza a interrupção voluntária da gravidez como se esta se resumisse a retirar um piercing em função da vontade ou da circunstância da mulher, acabam por ser, do meu ponto de vista, demasiado radicais, menosprezando as vidas humanas inocentes que se perdem.

As razões sociais, psíquicas, económicas…; enfim, de desgraça humana relacionadas com o aborto não se resolvem simplesmente através do código penal, nem com exercícios de retórica política, ética, religiosa, etc. Torna-se por isso necessário encontrar soluções. É urgente combater este flagelo no terreno, até porque a resignação é o pior dos males!

Pedro Afonso in Expresso