quinta-feira, setembro 14, 2006

Amar o que somos


Cada vez me espanta mais o número de pessoas que não estão contentes de serem o que são, de terem nascido onde nasceram, de morarem no século que moram. Se fizerem um inquérito aos jovens e lhes perguntarem quem gostariam de ser, noventa e nove por cento dizem que gostariam de ser Jackie Kennedy ou Michael Jackson, ou, com um pouco de sorte, Homero, Leonardo, Francisco de Assis.

Por mim sinto-me muito bem sendo o que sou. Não gosto de “como” sou, mas sim de ser o que sou. Aspiro, como diria Salinas, a tirar de mim o meu melhor eu, mas não queria ser outra pessoa, nem parecer-me com ninguém.Porque penso assim? Por várias razões: a primeira, por simples realismo. Porque, goste ou não goste, serei sempre o que sou.

Em segundo lugar, porque não só eu sou o melhor que tenho, mas o único que posso ter e ser. Em terceiro lugar, porque a experiência me ensinou que só quando alguém começa a aceitar-se e a amar-se a si mesmo é capaz de aceitar e amar os demais, inclusivamente, de aceitar e de amar a Deus.Um homem, uma mulher, têm de partir de uma aceitação e de uma decisão. Da aceitação de ser quem são (bonitos ou feios, corajosos ou cobardes). E da decisão de passar a vida superando-se a si mesmos, multiplicando-se.

Pobre do mundo se um dia se conseguisse que todos os homens corresponderem a padrões genericamente estabelecidos e obrigatórios. Convenhamos que um peixe deve ser um peixe, um peixe estupendo, magnífico, mas não tem de ser um pássaro. Um homem inteligente deve explorar a sua inteligência, e não se preocupar com triunfar nos desportos, na mecânica ou na arte. Uma menina feia dificilmente chegará a ser bonita; mas pode ser simpática, boa, e uma mulher maravilhosa.Sim, teríamos de fazer tudo aquilo que diz um personagem de um drama de Arthur Miller: “Cada qual deve acabar por pegar na própria vida nos braços e beijá-la”. Só quando começarmos a amar a sério o que somos, seremos capazes de converter o que somos numa maravilha.

Jose Luis Martin Descalzo