quinta-feira, dezembro 18, 2003

Relance 55

Participação Jornalistica


A Elsa Resende além de uma querida amiga é uma excelente e optima jornalista, como pouco existem por ai, garanto vos ! A sua forma integra, honesta e pura de trabalhar faz dela para mim uma pesoa muito especial.
E a confirmar tudo o que digo, há que ler com maximo de atenção esta sua participação neste meu humilde blog :)
Aqui fica :

O dia começa por volta das 09:00 com a consulta dos jornais na Internet. Fazem-se, em seguida, os primeiros telefonemas. Começo a ficar inquieta quando do outro lado da linha não há nenhuma novidade ou pista para uma futura notícia ou reportagem.
Nestas alturas, recordo-me sempre de uma senhora idosa que um dia, quando era mais nova, encontrei sentada num banco de uma igreja, em Lisboa.
Não me lembro das feições dela, mas lembro-me do que ela me disse, agarrando-me por um braço: “Nunca devemos desistir!”.
É com estas palavras na cabeça que, volta e não volta, mesmo desmotivada, insisto, insisto... pergunto mais uma vez e... chateio, incomodo... tudo para conseguir ter uma boa história para contar.
Nem sempre me saio bem na tarefa. Mas quem disse que o jornalismo é uma profissão fácil?
Sendo correspondente local, sou obrigada a aturar, nem sempre com a mesma disposição, autarcas com os mesmos discursos e sessões de câmara e assembleias municipais quase intermináveis.
Não raras vezes perco a paciência quando os políticos, em vez de discutirem os problemas da terra, se perdem em guerras partidárias sem interesse e argumentos.
Eis o lado enfadonho do jornalismo.
Mas há depois o lado mau, que é quando ouvimos críticas injustas, ameaças, insultos e... andamos sempre a correr e o telefone não nos dá sossego.
E há, felizmente!, o lado bom, que é quando surgem histórias inesperadas, se conhece gente fantástica, o público agradece por esta ou aquela notícia e o mundo fica melhor.
Porque acredito que estamos cá para desempenhar uma missão, aos 16 anos (e depois de uma péssima professora do secundário ter desfeito o meu sonho de ser historiadora) decidi que queria ser jornalista para ajudar a construir um mundo melhor.. informando, denunciando, contando histórias de pessoas e lugares.
Em tão pouco tempo que tenho de profissão, já vi a dignidade de gente pobre mas feliz, o desalento de quem não consegue fazer pela vida, a amargura de quem se sente só.
Não esqueço o orgulho das mulheres que fazem a recolha do lixo no Barreiro, a traquinice dos miúdos de rua do Projecto Adrenalina, de Almada, a ternura dos rapazes dos bairros sociais de Amora que, a troco de uma moeda para o mealheiro, ajudam os automobilistas a arrumar os carros por altura da Festa do Avante.
Na minha memória registo ainda o deslumbramento que senti quando os golfinhos do Sado vieram à minha beira ou... o cheiro a miséria do Bairro das Palmeiras, no Barreiro, as lágrimas das costureiras da VESTUS desempregadas, a firmeza de um siderúrgico a lutar por justiça.
Fiz muitas entrevistas sentada a uma secretária, mas também empoleirada num barco semi-rígido a toda a velocidade, de pé sob chuva, frio e calor intensos, de cócoras na cabina do piloto de um avião, de ténis enterrados no esgoto. São ossos do ofício!
Tal como no primeiro dia de trabalho, enfrento cada conferência de imprensa com nervosismo, tremo por dentro quando apontam um dedo a um dos meus artigos, reajo mal quando não me levam a sério, escondo-me por trás da discrição quando oiço (de vez em quando) um elogio.
De gente simples e excêntrica, letrada e iletrada, velhos e novos... tenho tirado muitas lições de vida.
Sofro com os erros e vibro com uma reportagem (quase) perfeita. Mas sempre com humildade, porque, como diz a minha mãe, está-se sempre a aprender.
No frenesim diário por uma notícia ganhei dissabores... mas também amizades.
E é isto que me impede de vacilar, mesmo nos piores momentos.

Elsa Resende